Entrevista com Marcelo Semer

Texto de apresentação: Maria Eduarda Marques

No dia dezessete de outubro na semana da Jornada Jurídica e graças a ela, alguns membros do Livre e o coordenador docente Helvécio Damis foram ao encontro do Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Marcelo Semer, com intuito de saber sua opinião por meio de indagações a respeito do ativismo judicial e sobre a proposta do atual presidente para o aumento de Ministros no Supremo Tribunal Federal. 

O ativismo judicial é um tema que nos últimos anos ganhou muito destaque, e se trata das ações do Poder Judiciário que extrapolam sua competência, sendo medido pela frequência com a qual o Judiciário invalida medidas tomadas pelos outros poderes, também é considerado como ativismo judicial quando esse poder supre omissões de outros poderes (SILVA, 2008, p  121).

A respeito do aumento de Ministros no STF, bem no texto constitucional em seu artigo 101 traz que o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, então será mesmo que uma proposta de aumento de número de ministros do Supremo pode ser algo visto por uma perspectiva positiva?


Helvécio: O que o senhor pensa em relação ao ativismo judicial? Acha que realmente vivemos uma situação de ativismo do judiciário no Brasil?

 Marcelo Semer: Acho que temos que distinguir aquilo que vem da tradição do ativismo judicial - desde a Suprema Corte norte-americana, que nos anos 50 e 60 quebrou a legislação racista dos Estados Unidos - de ampliação e garantia dos direitos, da judicialização da política, que é uma coisa geral. Ou seja, o Judiciário acaba por tomar para si uma série de decisões que envolvem tanto a política pública – própria do executivo –, quanto a política legislativa – do legislativo. E eu acho que o limite entre os dois é a realização dos Direitos Fundamentais previstos pela Constituição. Acredito que essa seja a distinção: o Supremo [Tribunal Federal] é autorizado a fazer essa “invasão” de competência sempre que, se não o fizer, Direitos Fundamentais que devem ter eficácia imediata não conseguem ser usufruídos – seja porque não são regulamentados pelo Executivo, ou seja porque não são legislados ou disciplinados pelo Legislativo. Então, nesse tipo de situação, o Supremo está autorizado a agir dessa forma. No entanto, me parece que vivemos uma espécie de excesso da judicialização da política, da qual o Supremo detém apenas parte da culpa, já que parte da culpa também é do Legislativo, visto que toda e qualquer decisão que acontece no Legislativo, quem perdeu vai direto ao Supremo para discuti-la - dado o princípio da inércia, o Supremo não cria suas próprias causas.

Em suma, o excesso de judicialização tem dois fatores: primeiro, aqueles que procuram o Supremo quando não conseguem ver resolvidas suas causas de outra maneira, já que o Legislativo comumente não toma partido em situações e, deste ponto, surgem questões que acabam decididas pelo Supremo. Por exemplo, a da união civil igualitária, um tópico sobre o qual o Legislativo lavou suas mãos – mesmo que, sobre outros temas, conforme abordado no meu livro “Os Paradoxos da Justiça”, vejo que o Supremo tenha se excedido em ação, como nas reformas políticas conduzidas por conta própria, tendo como subterfúgio o argumento da moralidade administrativa. Portanto, há momentos em que, na necessidade de proteger os Direitos Fundamentais, é adequada a ação do Judiciário, e há outros momentos em que, de fato, esse poder acaba agindo em excesso. O problema disso não é o fato do poder Judiciário trazer para si essas discussões e, sim, o hábito de toda a comunidade política, de uma maneira geral, recorrer ao Judiciário, ao invés de fazer sua luta política – o que gera um grande desorganização social. Você não tem mais o sindicato para fazer uma luta política, as pessoas entram direto com uma ação civil pública, dentre outras coisas. Considero que esta é uma aposta exagerada nas condições do Jjudiciário de resolução de problemas e, realmente, há problemas que ele não consegue resolver – o que pode levantar uma frustração para com o setor.

Membros do projeto Livre, juntamente com o coordenador do projeto, o prof. Helvécio Dâmis e o Juiz Marcelo Semer.

Helvécio: Sob o ponto de vista político e jurídico, como o senhor entende a proposta do candidato à presidência da República, Jair M. Bolsonaro, sobre o aumento da quantidade de ministros do Supremo Tribunal Federal?

 Semer: Sob o ponto de vista jurídico, é inconstitucional. Desfigurar o Supremo de forma artificial, em vistas de ter influência sobre ele não está no âmbito da democracia, está mais para a captura de um poder pelo outro. Estive estudando sobre isso a partir dos casos mais recentes, como os da Hungria e Polônia. 

O caso da Hungria é ainda muito similar a esta possível situação, já que aconteceu depois da reeleição de um presidente autocrático e, segundo ele mesmo se diz, iliberal – o “melhor amigo político” do presidente Bolsonaro. Na história brasileira, a partir do AI-2, houve um aumento no número de ministros, mas mesmo quando isso aconteceu, havia uma “capa” de legalidade sobre o ocorrido, feito sob a justificativa de haver muito trabalho para a Corte, que operaria melhor com um corpo maior. O mais surpreendente é que, agora, não há o menor escrúpulo em justificar o aumento de ministros no STF [Supremo Tribunal Federal]: isso serviria para capturar o poder do Judiciário. A doutrina americana chama isso de “courtpacking” o que, em tradução não literal ao português, seria como “abarrotamento do Supremo”[1]. Mas ele pode acontecer também de outras formas: na Polônia, por exemplo, houve a redução da idade de aposentadoria com aplicação imediata, o que não faz o menor sentido. E aqueles que já estão além da idade? Estes devem pedir autorização ao Presidente da República para continuar.

São vários os mecanismos de captura do Judiciário pelo poder executivo, os quais são, não somente aplicados por governos de extrema-direita, como por outros, a exemplo do chavismo da Venezuela. E por que essa captura é sempre do Judiciário? Porque é o único que faz uma resistência que, diferentemente do Legislativo, não pode ser contida de outras maneiras, que não intervencionistas. Quando estamos nesse momento político, é sinal de que não vivemos mais em democracia.

 

[1] O que muitos podem chamar de “empacotamento de corte”.